E SE FARTAR DE PÃO
Sou louca por pão.
De cheirá-lo. Gosto de comê-lo – com manteiga. Com azeite. Com queijo bom.
Gosto de descobrir novas padarias ou boulangeries, como queira. Brasília é pródiga nesse quesito e sempre me ressinto, quando viajo para determinados lugares, da ausência da La Boutique, da La Boulangerie, da Varanda, da Belini.
Gosto de escolher os favoritos – lugares e sabores.
Naquele fim de tarde, eu nem precisava – não estou muito adepta do ato de comer, sem tempo, sem vontade – mas comprei.
Novos pães, em lugar novo. Preços altos.
Em um exercício (tardio) de consumo consciente, pensei se precisava daquilo, por que o fazia, se poderia viver sem a compra.
Agora escrevendo parece um surto sem razão de ser. Drama. Coisa de pisciana, como acusaria um amigo.
Mas a compra me movimentou assim mesmo.
Depois, me perdoei. Me permiti. E, talvez como subterfúgio, como prega a literatura de autoajuda, eu considerei que merecia aquele mimo.
Tendo dedicado um bom tempo do dia atribulado a pensar no pão que comprei, o antes, o durante e o depois da compra, adorei ver que minha irmã Vitória tinha feito um belo texto sobre o tema. Na verdade, antes do texto, ela tinha feito pão. E escreveu justamente sobre o prazer em tê-lo feito.
Ela fez pão de beterraba. Estreou a receita. Postou a foto. Ela lembrou do pão que comíamos. No passado, em família. Como era embalado. Que cheiro tinha, que gosto encerrava, especialmente agora, em que esses atributos poderiam ter sido transmutados pela nostalgia, pela saudade.
Vitória tem ciúmes das coisas dela.
Mas essas memórias não têm patente. Eu as assumi e comparti como se fossem minhas. Porque eram.
Ressinto-me de não ser uma boa guardadora de recordações. Mas dessa vez tenho tudo na cabeça.
Não tínhamos carro, morávamos longe e éramos muito.
Mesmo assim nos vejo apertados na Brasília alaranjada – que foi nossa por um breve período ou de pendetras na Caravan do meu irmão Rui.
Parávamos já perto da hora do almoço, ou na padaria perto do Domingos Sávio, escola onde alguns de nós estudávamos ou na rua Arrojado Lisboa, em um estabelecimento simples, paredes nuas, um pãozinho e um biscoitinho para vender – quase só isso.
A Arrojado Lisboa não mudou nada até hoje. É rua sem belezas e com perigos. Mamãe sempre alertava os motoristas que passavam por lá.
Ela continua sendo reduto de oficinas mecânicas, comércios clandestinos, casinhas apinhadas e ruelas que levam ao nada.
E lá, perdida, está a mesma padaria. Sem uma reforma. Uma inovação. Um investimento. Continuam a vender um pãozinho e um biscoitinho – os mesmos que comprávamos quentinhos e íamos surrupiando do saco até que chegasse quase vazio no Alto do Bodocongó, onde nos abrigávamos.
Os mesmos. Ou outros.
Sei apenas que ser detentor do embrulho de papel dava prerrogativas a um de nós, o que ficava responsável pela partilha ou, em desagravo, pela denúncia de que ela estava acontecendo. O pão dava poderes. Era motivo de disputas.
Sei também que pensar naquelas cenas é bom.
Parece pão quente com manteiga derretida.