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CASO PERDIDO

Deu no jornal.

Correio Braziliense desta quinta-feira, 17.

O morador de um apartamento com valor estimado em R$ 1 milhão, localizado em quadra nobre da Asa Norte, anda causando rusgas na vizinhança.

O pessoal tem se juntado em grupos, aproveitado pequenas viagens de elevador, trocado mensagens, para discutir o caso como se deve.

Por esse ângulo, o imbróglio tem suas vantagens. Gente que nunca trocou olhar, sequer um cumprimento, agora anda emparelhado, falando baixinho e balançando as mãos com nervosismo e gravidade, para discutir o caso como se deve.

Brasília tem dessas coisas. Por aqui vigoram coisas como Lei do Silêncio. Incômodo por sons de alcova. Bares multados e fechados. Dizem que a cidade sucumbiu à seca e quis se transformar toda ela em secura. Em verdade, não a cidade. Mas as pessoas que dariam vida a ela – caso assim o desejassem.

Deve se tratar de gente assim, retorcida, galhos nuns, alguma água subterrânea, escondida na raiz – mas susceptível às queimadas – essa que não suporta os vizinhos.

Não bastasse a militância nos domínios das paredes, colunas, pilotis, entradas, foi necessário expandir o campo de atuação.

Os que gostaram do burburinho e da dimensão que a coisa tomou quiseram mais. Apelaram aos órgãos públicos. Todos juntos são mais fortes. Se o governo era assim tão faltoso com suas responsabilidades iriam comprovar agora.

Mas esperavam mesmo presteza, diligência, agilidade, eficiência, eficácia. Qualidades que os governos devem ter, ora pois.

Ansiavam por apoio, solidariedade, providências tomadas.

Não contavam que o negócio saísse no jornal porque afinal de contas era coisa ali daquele pedaço de chão. Íntima. Privada.

E todos eram bem adultos a ponto de conseguir resolvê-la. Bastando para isso a união que faz a força e a intervenção do governo.

Mas se ganhou um pedacinho de destaque na primeira página, é porque merecia.

Era assunto grande. Sem diploma e tino jornalístico, foram incapazes de ver que a natureza do problema é a mesma que alimenta o noticiário diariamente. Ainda mais numa quinta-feira.

Eu li e acreditei justo por isso.

Estava no jornal. E era quinta-feira

Algum douto profissional da área decidira que aquilo valia a força de uma pena e, espaço em veículo de tamanha importância, tinham que admitir. Falhara mesmo o tino para pesar e entender o que era notícia. A astúcia para separar o joio do trigo.

Ninguém é perfeito.

Temiam agora que a coisa arrefecesse e faltasse assunto.

Porque além da equipe do jornal apareceu com a prontidão almejada a equipe do governo.

O veredicto é que não era lá essas coisas.

O morador, agora identificada como moradora, não poderia ser despejada, convidada a se retirar, forçada a sair.

Ganhara há pouco o nobre título de mãe.

Havia dois rebentos sob suas asas.

Ignorar a maternidade e a necessidade de filhotes tão frágeis não seria coisa decente naquelas paragens.

Nem mesmo para o pessoal do governo.

Ficariam por lá. Até que todos – mãe e filhos – estivessem fortalecidos para alçar voos mais altos.

Os urubus merecem respeito.

E tenho dito.

O pessoal do governo também.


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