PARA DESVIAR O FOCO
Bem no meu início em Brasília trabalhei com o tema infância e adolescência. No Governo Federal e depois com ou em organismos internacionais, organizações não-governamentais. Participei de muitos eventos na área. Li, reli, aprendi. Tudo sobre o Estatuto. Acompanhava todo o conteúdo da Agência de Notícia para os Direitos da Infância (ANDI), com o qual aprendi muito. Isso tudo para dizer que foi ali que conheci isso de acertar a linguagem. Menor? Não era mais. Eram criança. E adolescente. Tutela? Não mais. Eles. Crianças e adolescentes. Eram sujeitos de direito.
Uma vez convenci uma jornalista de tevê a mudar o título de sua matéria ou da chamada. Não lembro. “Menores que matam”. Levou tempo. Ela não se conformava. Não via sentido. Não combinava com a linguagem de televisão e nem com o tempo do veículo. Falar. Criança. Adolescente. – Não. Ela relutava. Foi então que gastei muito latim. Para dizer que aquilo era conquista. Estava no ECA. Era batalha. Se ela dissesse ‘menor’ iria contra tudo isso, que não era pontual. Mas processo. Que exigiu luto e luta. Ia ficar mal na fita. O feitiço ia virar contra o feiticeiro. – Ok. Vamos tentar: Jovens que matam. Ela assentiu. Eu fiquei aliviada.
Foi essa experiência que me colocou com a mão na massa nas tantas mudanças que a Constituição de 1988 trazia. Mudanças que se chegavam. Aos poucos. Articulação. Sociedade civil legitimada para transformar tanta coisa que havia ficado em suspenso.
Depois, veio o acompanhar de tantas outras transformações no modo de falar. Eu as respeito. Procuro assimilar todas. As que me incluem de alguma forma por se referir a questões de gênero e raça, por exemplo. Ou por se referir de forma melhor colocada ao outro. Tão necessitado de respeito e dignidade em suas demandas quanto eu. Não é mais mongol. Não é mais aleijado. Não é mais aidético. Não é mais homossexualismo. Faz sentido, não faz?
Então respeito. Como uma construção pessoal. E como o meu entendimento para o que vejo de resultado de um fazer coletivo. Todo o caminho percorrido que redundou em campanhas atuais que dizem: Religião. Raça. Gênero. Não é fantasia. Foi tudo muito rápido. E esse ano, o estopim. As campanhas pipocaram. E muitos entraram em uma pendenga, no momento discutida à exaustão. Na Internet. “Freud disse ‘fantasia’. Fantasia é fantasia. Cancela Alessandra Negrini. Isso é uma homenagem. Vamos ouvir os que vivem isso tudo fora do carnaval. Os que são. Índios. Negros. Mulheres. Povo de Santo. Gente de esquerda se transformou na direita”.
E tanto. E tanta coisa. Mais um perigoso linchamento virtual para quem incorrer na quebra desse pacto recém-ensanguentado.
Eu mesma levei a questão para o grupo da escola da minha filha. Tradicionalmente vestidas com acessórios que remetem à cultura indígena quando estão no 4º ano, as crianças podiam transgredir sem saber. Não a opinião virtual. Mas as culturas identidades subjetividades. Qual seria nossa decisão? Conversei com a filha. Ela se sentiu desconfortável em usar as vestimentas. Vale salientar que adora comer com as mãos e justifica o hábito se dizendo bisneta de índia Cariri.
Seria bom que não fosse preciso cancelar nada. Ninguém. Nem investir o tempo nessas disputas. Seria bom se fosse apenas uma decisão pessoal. E que as decisões – e o dono delas – não fossem defenestrados. Parece até coisa para desviar o foco das canetadas e palavras torpes do Governo Bolsonaro.