Antes da moção de louvor
- barbosawal
- 19 de set. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 20 de set. de 2024
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É madrugada. Ainda estou desperta. Antes de sentar-me aqui, vasculhar algumas notÃcias e atualizar minha lista de afazeres, estava fazendo coisas que sequer entram na lista – porque são constantes, embora nem sempre cumpridas com o rigor necessário. Eu sequei e guardei louça. Para abrir espaço para lavar e secar uma próxima leva. Lavei banheiro. Limpei fogão. Passei pano no chão da cozinha.
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Agora pareceu que esqueci de mim.  Deveria ter provado uma roupa, comprado um par de sapatos novos. Ter ido ao salão, cuidado de sobrancelhas, unhas e cabelos, isso desde a segunda-feira, quando soube que receberia uma Moção de Louvor, para a quinta em que já estamos e abarcará, logo mais, a solenidade na Câmara Legislativa do DF.
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Para a honraria, gostaria hoje de me sentir preparada. Plena. Por dentro e por fora. Mas porque tudo no mundo acontece, a cidade foi tomada por fumaça e fuligem. Portanto, calor, sufocamento, desesperança, angústia. As crianças e jovens foram dispensados das aulas. Os cachorros não puderam sair pra passear. As janelas não foram abertas. A rotina se embaralhou. E a confusão mental, lerdeza, desesperança, angústia, calor e sufocamento tomaram conta de tudo. Em mim. A despeito da dificuldade do corpo, era preciso seguir.
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Penso que deveria estar mais feliz e orgulhosa. Mas tenho dúvidas se são sentimentos pertinentes para o momento. Não gostaria de tê-las tanto – as dúvidas. Queria estar mais feliz e orgulhosa. E pronto. Sem meio termo. Sem dualidade. Â
A proximidade do evento me tirou o sono. Isso de atos polÃticos. De estar em uma casa legislativa, de receber uma honraria das que são ofertadas pelas casas legislativas, me leva muito para casa, me puxa pelas raÃzes e me coloca em Campina Grande, na ParaÃba, dentro da Casa de Félix Araújo, onde minha mãe foi vereadora por 32 anos e meu pai, por outros dois mandatos, se a memória estiver correta.
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Também me coloca na Casa de Epitácio Pessoa, onde meu irmão foi deputado e meu pai, anos antes, recebeu, ele sim, muito feliz e orgulhoso, o TÃtulo de Cidadão Paraibano, bem merecido para o alagoano que viveu a maior parte dos seus 91 anos na Rainha da Borborema. AÃ, penso que meu pai estaria feliz e orgulhoso. Mas não está aqui para ver ou dizer suas máximas na hora de comemorar vitórias conosco.
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Então, refaço minha estrada. Minha literatura de um livro só - em breve serão dois. Minha vontade de estar ao lado de outras mulheres pretas para que, nas trocas, nos fortaleçamos – manas, é preciso coragem. E, sim, balanço a cabeça em anuência. É justo que eu seja agraciada porque embora eu não soubesse qual seria o sentimento diante de uma notÃcia assim, penso que é bom vivê-lo. O sentimento. Vivê-la. A homenagem.
Já já, improviso minha maquiagem como sempre. Desamasso a melhor roupa que me aparecer. Coloco um sapato esportivo porque os sociais foram devorados pelo cachorro. E vou lá. Viver minha própria experiência em uma casa legislativa. E permitir me sentir feliz e orgulhosa. Finalmente.

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